sexta-feira, 10 de janeiro de 2025

Anno Bom de Henrique Castriciano

 Nordeste do Nordeste

mirandaozieldionisio@gmail.com


Estamos a caminho de 2025 e sem querer folheando os meus diletos amigos livros, encontrei um texto de Henrique Castriciano (1874-1947) com o título "Anno Bom". Na realidade está em uma coletânea do professor Antônio Fagundes (1896-1982) com o título "Leituras Potiguares", edição fac-similar pela Sebo Vermelho. Esse escrito de Henrique Castriciano, já soam centenário, quero apresentar ele na literalidade, no texto vemos a esperança humana de dias melhores, tanto no ontem como de hoje continuam vivas.

Vamos ao texto:

 

1924 nasceu homem, mas os dias, as semanas, os mezes que o compuzeram já desaparecem na eternidade. Felizmente, a eternidade é o último adeus sem hora e sem medida, por isso mesmo continuado e permanente na memória dos homens, os únicos viajantes do Planeta que atravez, das energias animicas da espécie conseguiram deter o Tempo, ao menos na recordação e na lembrança dos que vão passando.

 

Ditosos os humanos, únicos seres do Universo aos quaes é dado recordar os tormentosos dias de 1924 aos primeiros albores de 1925! A' hora em que escrevo anda na alma da Cidade, um alvoroço infantil, as mesmas esperanças de um ha século. Dentro em pouco, estará cheia a praça André de Albuquerque.

 

Eu me transporto em espírito para vêr, das sombras do Jardim, a multidão que vem chegando das ruas e dos arrabaldes e fica a olhar a Cathedral, á espera da benção do seu Pastor. No alto, ha uma sentinela muito minha conhecida, vigiando as horas com as duas armas, que lhe pregaram ao peito robusto.

 

Elle tem uma alma desconhecida da Cidade e só a poesia, a excelsa reveladora, poderia dizer quanto lhe devemos.

 

D' o relógio da torre, a dizer de quando em quando com a sua voz semisecular, que se approxima o nascimento do Ano Novo. Porque a sombra lhe esconde o mostrador, Elle assume poder Mysterioso. D' como um desses fabulosos gigantes com quem tratamos na infancia, por intermedio de alguma bôa amiga de cabellos brancos, affeito ao convívio das fadas e às surpresas de encantamentos e sortilégios. Parece que elle trabalha lá em cima, silencioso mas afanosamente, na factura do novo Anno e que do seu bojo de ferro, como o sol da garganta atrevida de Chantecler, vão sahir os dias de manhã, cheios de ódios e affectos, de tristezas e alegrias, de baixezas e heroismos. As cousas, como os seres, trazem um destino. O desse solitário relogio da torre bem merecia um poema dos nossos aedos.

O que tentamos realisar, muitas vezes sem exito, com a imaginação, realisa, minuto a minuto com os ponteiros. Para voltarmos ao passado longinquo necessitamos de um longo esforço de memória. Sentinella sem somno, Elle alonga tranquillamente, na branca superficie circular as armas impoassiveis e nos mostra, segundo a segundo, as horas que se succedem dentro dos trezentos e sessenta e cinco dias do Kalendario, arrastando para o nada as nossas pequeninas vaidades de sombras que desapparecem  mal se desenham no cenário do mundo.

 

Volta indifferente pelo mesmo caminho e, mestre severo, nos ensina atravez do tempo e do espaço, que o passado e o presente se confundem, que nascer, viver e morrer é no fundo a mesma cousa. Cada um de nós possue nessa antiga sentinella um registrador de lembranças. Em sua linguagem, simples como a dos passaros, que em poucas horas dizem aos outros tudo quanto é necessário, nos annuncia a hora do baptismo, do casamento e do fim. Sómente para nós esses momentos teem nome emquanto que, para elle, tudo é como não existisse.

 

Uma...dez...onze...

Doze horas...

Eis ahi o novo anno. Vem como os demais, trazendo promessas que a incuravel tolice humana irá desfazendo nos mezes que se vão seguir. Mas, todos se sentem leves, querem gosar o bocado de illusão que a alma gera nestes instante de treguas, na ânsia instintiva de ser feliz ao menos um dia. Não perturbemos a Paz desse desejo, entretanto, seria tão bom que os homens fizessem nossas breves horas de sonho o aprendizado da felicidade!

Agora vai annunciar o nascimento do anno. Cá em baixo, a multidão se agita ouvindo a sua voz, na intercadencia de pausas que marcam minutos como se marcassem seculos.

Nos semblantes de hoje ha uma irradiação que poderia ser de todos os momentos. E é lamentável que o homem tenha conseguido tanto, tenha conquistado os mares e os ares, descoberto algumas leis da Vida, muitas das forças da Natureza, e só não tenha conseguido aprender a ser feliz. Será vedada a acquisição dessa arte, a quem poude descobrir o radio e os meios de transmitir não somente o pensamento mas a propria voz atravez o oceano e o espaço infinito? Não creio.

 

Para mim, as mais poderosas leis da existência ainda estão por desvendar.

O homem é espirito e a verdadeira energia não está na eletricidade. Edson e Marconi são dois atomos ao pé Christo e de São Francisco de Assis. A solidariedade do mundo não não se ha de fazer por meio das ondas cartesianas, nem de tratados juridicos. Ha de realiza-la a infinita bondade christã, approximando dia a dia os corações, fazendo de cada homem o élo de uma cadeia espiritual. O Brasil assiste a alvorada do novo anno nos estertores de uma guerra civil. E' uma nuvem que passará em breve, como passaram outras, deixando 

no espaço a sombra azul do manto de Christo.

 

A palavra divina chamará os homens á realidade. Não convém, portanto, falar em tristezas no dia que passa, quando a humanidade, procurando esquecer o limo de que é apparentemente feita, abre os braços e, atravez os horizontes, procura unir os povos que a compõem, num amplexo que amanhã será definitivo.

 

Então, a palavra dos continentes e dos indivíduos não terá a significação de um cumprimento banal e, em vez de polidez das saudações ouvidas nos dias de hoje, todos o homens e todas as nacionalidades terão uma só voz para gritar a alegria infinita das almas espalhadas na terra!

_ Bons annos! Bons annos!

 


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