A discussão a respeito da necessidade de uma efetiva regulamentação dos meios de comunicação parece não estar encontrando o eco que merece em nossas terras
Por Paulo Kliass - de Paris, França
A discussão a respeito da necessidade de uma efetiva regulamentação dos meios de comunicação
parece não estar encontrando o eco que merece em nossas terras.
Infelizmente, a importância da matéria não tem sido correspondida por
uma posição mais efetiva da Presidenta Dilma, que se recusou a colocar
sua equipe para atuar no Congresso Nacional em defesa do projeto de lei
preparado pelo ex-Ministro Franklin Martins, ainda no governo Lula.
Ao invés de se apoiar nas experiências recentes de outros países,
como a Argentina e a Inglaterra, o governo se acomoda, mais uma vez, na
postura defensiva no debate e se rende aos interesses das grandes
corporações proprietárias dos meios de comunicação. Tanto no caso dos
vizinhos “hermanos”, quanto no espaço supostamente liberal britânico,
foram aprovados textos legais impondo algum grau de regulamentação e
controle públicos sobre as atividades da imprensa, em toda a sua
diversidade de difusão nos tempos de hoje.
Por outro lado, além da postura passiva no quesito do marco
regulatório, a posição governamental tem sido a de apoiar explicitamente
os grandes conglomerados oligopolistas do setor, sem promover nenhuma
medida de descentralização dos veículos no que ser refere ao suporte das
verbas de propaganda e publicidade. O mesmo ocorre quanto à estratégia
de consolidação e fortalecimento de uma rede de veículos públicos de
comunicação, capaz de oferecer uma visão distinta daquelas oferecidas
pelas poucas e mastodônticas empresas privadas do ramo.
Terminologia envenenada: “mídia” e “economics”
No caso específico da economia, a situação é ainda mais grave, uma
vez que o recorte deveria envolver também formas bastante distintas de
encarar o fenômeno econômico e as diferentes alternativas para
implementação das medidas de política públicas na área. Aliás, a
encrenca já começa na própria denominação que o setor se oferece:
“mídia”. Prefiro o caminho adotado pelos países de língua espanhola, que
adotaram o termo “medios de comunicación”.
Afinal, se falamos tanto em autonomia econômica, social, política e
cultural, qual o sentido de usar “mídia” em português? A origem de tudo é
o latim “medium”, que se transforma em “media” quando vai
para o plural – é assim que se expressa “meios” em latim. Vai daí que
os norte-americanos gostaram da expressão encontrada e passaram a
usá-la. Porém, com o sotaque de lá, pronunciam aquilo que nós adotamos
como sendo o termo em nossa língua: ‘mídia”! Como a hegemonia cultural é
enraizada, todo mundo passou a imitá-los, inclusive na nossa gentil
maneira de grafar a forma ianque de pronunciar o plural de um termo em
latim! Haja criatividade para tamanha submissão!
Por outro lado, observa-se claramente uma opção consciente realizada
pelos grandes órgãos de imprensa, ao adotar um único lado no debate
econômico. A economia é apresentada como uma ciência quase exata e
carregada de um suposto véu de neutralidade técnica. Com isso, oculta-se
do leitor ou do espectador o fato de que os pensadores clássicos sempre
trataram o fenômeno de forma mais ampla. Para Smith, Ricardo ou Marx,
por exemplo, tratava-se de uma área do conhecimento chamada de “economia
política”, onde o fenômeno econômico não poderia ser compreendido
isolado do conjunto mais complexo das relações na esfera do social e do
político. Ocorre que a tradição liberal, capitaneada pelos ingleses e
norte-americanos, promoveu uma operação reducionista bastante
significativa. “Political economy” tornou-se simplesmente
“economics” – em português tudo passou a ser qualificado como economia.
Com isso, é claro, perdeu-se muito mais do que o mero adjetivo
“política”.
Responsabilidade da sociedade, das universidades e dos meios de comunicação
Não se pode, no entanto, responsabilizar apenas os meios de
comunicação como sendo os únicos agentes de tal mudança. Na verdade, o
que eles fizeram foi incorporar para dentro das editorias de seus
veículos aquilo que se generalizava para o conjunto da sociedade, em
razão da hegemonia do pensamento neoliberal que se consolida a partir
dos anos 1990. A maior parte das universidades e dos centros de pesquisa
também se rendeu a essa forma ortodoxa e monolítica de encarar o
fenômeno econômico. Isso implicava uma abordagem acrítica do modo de
funcionamento do sistema capitalista de uma forma geral e a concordância
ativa e passiva no que se refere aos modelos de ajuste estrutural e da
macroeconomia, tal como sugeridos pelo chamado Consenso de Washington.
Este último aspecto foi especialmente relevante para o caso de países em
desenvolvimento, como o Brasil, que sofreram bastante com tal opção de
política econômica durante quase trinta anos.
Com algumas exceções de resistência política e intelectual a essa
estratégia de terra arrasada, mais de uma geração de economistas e de
jornalistas cobrindo a área de economia foram formadas sob essa batuta.
Porém, ao invés de adotar o critério da pluralidade na transmissão das
informações e das análises, os meios de comunicação optaram por um
alinhamento automático à versão dominante, impedindo que as vozes
dissonantes tivessem espaço para divulgação de suas abordagens. A
vinculação a uma forma específica de encarar o processo econômico pode
ser sintetizada pela trajetória realizada por um grande jornal paulista.
Não por acaso, ao longo dessas duas décadas, a empresa optou por
mudanças editoriais que implicaram alterações carregadas de significado
para aquilo que nos interessa aqui: o caderno “economia” foi
transformado em “dinheiro” e mais recentemente em “mercado”. Ou seja,
uma transição bastante reveladora da opção adotada pelo grupo e da linha
editorial assumida: economia => dinheiro => mercado.
Espaço apenas para a voz monotônica do financismo
A reprodução quase que exclusiva dos interesses e das opiniões
vinculadas ao financismo tornou-se prática corriqueira entre os meios de
comunicação. A pauta passou a ser coberta com a busca de opiniões de
“analistas”, “especialistas” e “consultores de finanças” que se
revezavam em oferecer quase sempre a mesma abordagem do fenômeno
econômico.
Eram apresentados como verdadeiros interlocutores do oráculo,
evidentemente inacessível para os mais comuns dos mortais. De quando em
quando, abria-se uma pequena janela para alguma opinião divergente dessa
análise hegemônica. Tal postura sofreu um freio de arrumação a partir
da eclosão da crise financeira internacional de 2008, uma vez que o
receituário oficial – passivamente aceito até aquele momento – não havia
sido capaz de evitar, nem mesmo de atenuar, os efeitos devastadores da
conturbação. Boa parte dos grandes figurões do “establishment” foram
compelidos a realizar uma espécie de “mea culpa” – algumas meio
implícitas, outras mais explícitas.
Aqui no país deu-se processo semelhante. Acompanhando também a
mudança sutil de discurso de instituições como o Banco Mundial (BM) e o
próprio Fundo Monetário Internacional (FMI), economistas passaram a
reconhecer a validade das análises ditas heterodoxas. Os elementos de
teorias consideradas como heréticas até a antevéspera da crise, a
exemplo do keynesianismo, passaram a freqüentar as matérias das
editorias de economia.
No entanto, apesar desse recuo tático provocado pela própria
realidade, a forma de encarar e refletir a respeito do fenômeno
econômico não foi alterada em sua essência, para a absoluta maioria dos
grandes meios de comunicação.
Os textos, imagens e as matérias sempre insistem na ideia de que
existe apenas uma alternativa adequada para manter a economia “nos
trilhos”. E a voz que se expressa pelas editorias de economia é sempre a
do financismo.
Os veículos insistem, de forma monotônica, em apresentar uma imagem
humanizada à dinâmica econômica, protagonizada pelo capital. Assim, a
sensação que passa é de que o “mercado pensa”, o “mercado sugere”, o
“mercado exige”, o “mercado se preocupa”. Ao conferir voz e
personalidade a esse ente invisível, o que se busca é transformar a
implementação de políticas de favorecimento de determinados setores em
algo banal, rotineiro, natural e, principalmente, inevitável.
A situação vivida nos Estados Unidos, logo na ante-sala da crise, é
bem característica de tal comportamento. A trajetória insustentável dos
grandes bancos e demais instituições financeiros era evidente. Porém, a
superexposição aos riscos não era mencionada pelos meios de comunicação,
que se contentavam em reproduzir as avaliações, sempre otimistas,
fornecidas pelas agências de “rating”. Ou seja, como estavam
umbilicalmente vinculadas ao modelo de exacerbação dos movimentos
especulativos e do chamado “subprime”, as notícias que vinham a público a
partir dessas fontes nada isentas – as únicas consultadas, diga-se de
passagem – fez com que o caldeirão perigoso e irresponsável do mundo
financeiro não fosse conhecido da maior parte da sociedade, senão no dia
mesmo da explosão. Como não houve espaço para nenhum alerta prévio, a
informação para o grande público só chegou no “day after” do desastre.
No caso brasileiro, por outro lado, a própria institucionalidade do
aparelho de Estado contribui para tal unilateralidade na cobertura dos
eventos. O comportamento do Comitê de Política Monetária (COPOM) é
instruído por uma consulta periódica efetuada pelo Banco Central. A
pesquisa Focus pretende aferir as chamadas “expectativas dos agentes
econômicos” quanto aos rumos e às principais variáveis de nossa
economia. Ocorre que são ouvidos exclusivamente indivíduos e
instituições que têm atuação no mercado financeiro, o que torna o
resultado bastante tendencioso e viesado. Os meios de comunicação
ancoram-se nesse tipo de material para embasar as preocupações e as
propostas do tal “mercado”, em sua busca permanente por aumentar a
rentabilidade do financismo. Assim, tenta-se oferecer para o público a
idéia de que o conjunto da sociedade está a corroborar tal opção, quando
na verdade a situação é bem outra. Afinal, não foram ouvidos
pesquisadores independentes, instituições de pesquisa vinculadas às
universidades ou mesmo economistas que atuam como assessores de
entidades do mundo sindical e de associações estranhas ao universo
empresarial. Não! O BC ouve apenas “la crème de la creme” da banca e do
universo financeiro.
Necessidade de democratização e pluralidade
A democratização do setor de comunicações é condição “sine qua non”
para que se obtenha um processo de produção e difusão de informações e
análises de economia que seja marcado pela efetiva pluralidade. Assim
torna-se fundamental a superação do atual modelo, marcado pela
concentração de poder e pela olipogolização do setor. A descentralização
do número de veículos e a diversificação das linhas de orientação
permitirão, em tese, que os diferentes grupos da sociedade consigam se
identificar nesse mosaico mais amplo de alternativas. Além disso, é
urgente a consolidação de um núcleo de emissoras e veículos de natureza
pública, para que a o Estado tenha condições de oferecer a sua forma
particular de encarar e analisar o fenômeno econômico.
Um marco regulatório que avance também pelo caminho da
responsabilização e da transparência deverá criar as condições para que a
cidadania rompa com os limites estreitos e privadamente orientados das
vozes do “mercado”. A função pedagógica dos meios de comunicação também
deve ser ressaltada: para além da simples informar, há que aprimorar
também sua função de formação. Ao invés de simplesmente oferecer as
inúteis cotações de fechamento do mercado fetichizado de bolsas de
valores e de câmbio, os veículos deveriam contribuir para que a
população consiga efetivamente compreender os movimentos da dinâmica da
economia. A maioria de brasileiros e brasileiras têm, com certeza,
outros interesses a fazer valer em termos de orientação e análise da
nossa política econômica.
Paulo Kliass é Especialista em Políticas
Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em
Economia pela Universidade de Paris 10.
Fonte: Correio do Brasil
Fonte: Correio do Brasil
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